CARTA DE UMA MÃE "PORTUGUESA"

Lisboa, 26 do quatro de 2 mil e quatro.

Querido filho: Escrevo-te esta linhas para que saibas que a mãe
está viva. Vou escrever bem devagar pois sei que não consegues ler

Caso estejas sem tempo de escrever à mãe, manda uma carta dizendo que
quando
estiveres mais tranqüilo vais mandar notícias. Se tu viesses hoje aqui em
casa não irias reconhecer mais nada, porque mudamos de casa.

Temos agora uma máquina de lavar roupa. Mas não trabalha muito
bem. Na semana passada pus lá 14 camisas, apertei o botão e nunca mais as
vi. Vai ver que esta marca Hydra não é das melhores.

Tua irmã Maria está grávida. Mas ainda não sabemos se vai ser
menino ou menina. Portanto, não podemos te dizer se vais ser tio ou tia.

Teu pai arranjou um bom emprego. Tem 12.300 homens abaixo dele.
É o responsável pelo corte da grama do cemitério.

Quem anda sumido é teu tio Venâncio, que morreu no ano passado.
Lembra-te do teu tio Joaquim? Então, afogou-se no mês passado num depósito
de vinho. Oito compadres dele tentaram salvá-lo, mas o tio lutou
bravamente
contra eles. O corpo foi cremado há duas semanas. Levaram oito dias para
apagar o incêndio.

Os engarrafadores de refrigerante aqui finalmente tiveram uma
grande idéia de colocar uma indicação na tampinha, dizendo "abra por
aqui".
Facilitou-nos muito a vida. Espero que os daí façam a mesma coisa. Caso
esteja difícil para ti, a mãe te manda algumas garrafas.

Teu irmão, João, continua o mesmo de sempre. Semana passada
fechou o carro com as chaves dentro. Perdeu um tempão indo até a casa
pegar
a cópia da chave, para poder tirar-nos todos de dentro do automóvel.
Estava
um calor de rachar.

Por falar em calor, o tempo aqui está muito estranho. Esta
semana só choveu duas vezes. Na primeira vez choveu durante 3 dias. Na
outra
vez choveu durante 4 dias.

Esta carta te mando através do Gabriel, que vai amanhã para aí.
A propósito, será que podes pegá-lo no aeroporto? Lembrei de uma coisa
importante. Terás um problema para falar com a mãe, caso decidas
escrever-me. Não sei o endereço desta casa nova. A última família que
morou
aqui, antes de nós, também era portuguesa e levou a placa da rua e o
número
da casa para não precisar mudar de endereço. Se encontrares a Teresa,
dê-lhe
um alô da minha parte. Caso não a encontres, não precisas dizer nada.

Adeus.

Tua mãe que te ama.

Fátima Manoela da Alcova

(Por fora, escrito no envelope): Ia mandar-te 2000 euros, mas
fica para outra vez.

Já fechei o envelope.

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